Trabalho e Educação no Século XXI
A velocidade da evolução tecnológica em áreas como a Inteligência Artificial e a Robótica deixam o futuro do trabalho e da educação em jogo…
A velocidade da evolução tecnológica em áreas como a Inteligência Artificial e a Robótica deixam o futuro do trabalho e da educação em jogo para a segunda metade deste século. O que isto significa e como lidar com isto?
No início do século passado não tínhamos nem computadores e nem a Internet. Na realidade tínhamos parcos conhecimentos sobre semicondutores e ainda não tínhamos inventados o transistor, peça fundamental de toda a eletrônica digital. O Século XX foi marcado por uma evolução tecnológica brutal em todas as áreas e os impactos positivos disto foram vistos em todo o planeta. Mais produção, mais alimentos, mais informação, mais saúde, mais educação e mais empregos. Mas o que veremos de hoje até a metade deste século com o crescimento exponencial que estamos experimentando em áreas como a robótica e a inteligência artificial é impossível de se prever e possivelmente trará um quadro bem diferente.
Quase sempre que escrevo esta coluna para a INFO trago para cá um pensamento sobre os efeitos benéficos da evolução tecnológica. Porém, agora que sou pai de duas pequenas garotas as questões relacionadas ao futuro delas, como educá-las e o que elas farão da vida me fazem pensar mais sobre isto tudo. E, pela primeira vez, me vejo realmente preocupado com alguns dos efeitos que podemos sofrer dentro das próximas décadas. Na coluna passada falei de um dos efeitos colaterais gerados pela influência cada vez maior da tecnologia em nossas vidas: a distribuição desigual dos ganhos conseguidos com ela. Mas desta vez quero falar de outras preocupações.
Antes preciso chamar a atenção do leitor para a profunda transformação do trabalho causada pela substituição de seres humanos na realização de quaisquer tipos de atividades por robôs e computadores inteligentes. Veja, como as coisas andam, não é um absurdo pensar que praticamente toda a atividade realizada em escala minimamente interessante será um alvo para a automação. O que não for possível de ser automatizado num determinado momento, com certeza o será vintes anos mais tarde. Otimisticamente, quero acreditar que não veremos simplesmente a ondas gigantescas de desemprego pois os trabalhadores humanos se deslocarão para outros tipos de atividades que não sejam interessantes para serem automatizadas ou que não possam, por algum tempo, serem realizadas por máquinas.
Porém, para que os efeitos das mudanças no trabalho sejam melhor assimilados é preciso que sejamos ágeis em adaptar os trabalhadores para suas novas tarefas. E é aqui que aparece minha preocupação: como é que vamos educar as novas gerações de trabalhadores? Se isto tudo acontece em velocidades brutais e cada vez maiores, é fácil entender o desafio que a educação tem pela frente. Na realidade, foi ao pensar sobre como é que eu poderei ajudar minhas filhas a escolherem o que estudar e o que aprender para viver neste futuro que esta idéia nasceu. A realidade é que me senti completamente impotente e incapaz de ter idéias sobre o que é que serão os conhecimentos úteis para elas daqui quinze ou vinte anos.
Bom, é nestas horas que vemos que a qualidade da educação pode fazer toda a diferença. E, neste contexto, me lembro de uma aula magna dada pelo meu orientador, Alcir José Monticelli — in memoriam, quando eu ainda tinha esperanças de concluir o mestrado em engenharia da computação na UNICAMP. Naquela ocasião ele estava um pouco ácido sobre como a universidade estava dando aulas de matemática e física — conhecimentos básicos — menos densas para os alunos de engenharia. Com uma pintura de um pintor que já esqueci e uma ilustração de uma máquina medieval, Alcir conseguiu — elegantemente como sempre — provar seu ponto de que o mais importante para um aluno era o conhecimento básico e a capacidade de abstração. Ele transformou os dois quadros em equações matemáticas que descreviam a mecânica presente em cada um dos desenhos, num deles uma pessoa serrando uma tora de madeira e no outro uma prensa mecânica. Depois ele trouxe para a lousa as equações de dois conceitos fundamentais da engenharia elétrica: a dualidade dos campos elétrico e magnético e o funcionamento dos sistemas trifásicos de energia. Ao comparar as equações percebemos que elas eram, respectivamente, as mesmas. Ou seja, o conceito abstrato para entender o funcionamento da serra de madeira e o eletromagnetismo era o mesmo (e o mesmo acontecia com a prensa mecânica e o motor trifásico) . Ele ainda concluiu que um engenheiro treinado para ir direto às aplicações — sem passar pelos conceitos básicos — poderia ser facilmente substituído por um equipamento e ficar obsoleto. Mas que quem aprendeu a pensar, a abstrair e a entender como o mundo funciona teria espaço sempre. Pronto, já posso voltar a pensar mais aliviado na educação de minhas filhas. Claro, bons valores também ajudarão a criarmos pessoas que garantam um mundo melhor, mas isto já é assunto para outro dia. ;-)
PS:. Esta coluna é uma homenagem a quem mais me inspirou a tentar ser um engenheiro melhor. Obrigado Alcir!
Artigo publicado originalmente na edição de Agosto de 2014 da Revista INFO e republicado aqui com a permissão da Editora Abril.