Uma dica: não é o design.
Estrearei minha coluna aqui na INFO escrevendo sobre um tema que faz parte de minha vida e que acredito estar sendo equivocadamente menosprezado no design moderno de produtos: a tecnologia.
Nos últimos 30 anos empresas como a Apple nos mostraram uma maneira nova de desenvolver produtos de consumo como computadores e telefones. O grande diferencial nos produtos da Apple é, sem dúvida nenhuma, o design de seus produtos que é notadamente superior ao design dos concorrentes. Muitos chegam a dizer que a Apple é uma empresa de design e não uma empresa de tecnologia. E é aí que uma meia verdade (sim, a Apple é uma empresa de design) não pode ser uma verdade completa e leva a um entendimento equivocado da realidade.
"Design não é apenas o que parece e se sente. Design é como funciona." — Steve Jobs
O equívoco acontece ao entender que o design da Apple é seu diferencial mais importante, deixando a tecnologia em segundo plano. Para entender o que quero dizer usarei uma famosa citação do Jobs onde ele dizia que “Design não é apenas o que parece e se sente. Design é como funciona”. Isto muda fundamentalmente a perspectiva, já que o “como funciona” é totalmente dependente de tecnologia. E neste ponto, a Apple é novamente genial pois se partindo de como a coisa deve funcionar o trabalho da engenharia e da pesquisa é tornar aquilo uma realidade, escondendo toda a complexidade tecnológica do usuário final. Deste modo, a Apple continua sendo uma empresa de tecnologia e, também, de design. Se nos perguntarmos ao observar um produto da Apple o porque que de uma determinada funcionalidade ser superior às dos concorrentes, ou como é que determinada característica mágica de seus produtos é possível, perceberemos que a resposta é sempre a tecnologia embarcada no produto. A resposta ao toque do iPhone e do iPad é sensivelmente melhor do que a dos concorrentes devido a toda a tecnologia embarcada no dispositivo na forma de software, eletrônica e materiais especiais. E cada um destes detalhes foi otimizado à perfeição. O corpo de alumínio dos MacBooks e até mesmo o famoso vidro quase indestrutível dos iPhones, conhecido como “Gorilla Glass”, são frutos de anos e anos de pesquisa em tecnologia de produção. E se observarmos mais de perto, com exceção de suas carcaças elegantemente desenhadas, a alma dos produtos da Apple é o software que está embarcado em cada um deles. Software este que tem o importante papel de garantir que o “como funciona” que o designer pensou seja uma realidade.
E para azar dos concorrentes, se por um lado é relativamente fácil copiar o design físico de um produto da Apple (vá até uma loja de celulares e vejam quantos deles são facilmente confundidos com um iPhone), é absurdamente mais complexo reproduzir a maneira com que eles funcionam. Ou seja, a visão de Jobs de um design mais holístico que considera não só a forma, mas também a mecânica de funcionamento, se mostrou uma importante ferramenta estratégica. Barreiras de entrada baseadas em tecnologia são, normalmente, mais sustentáveis e difíceis de serem rompidas. E além disto, apesar de toda a controvérsia sobre o assunto, elas podem ser mais facilmente protegidas por patentes.
Um reflexo disto é a maneira com que a Apple investe agressivamente em se apoderar, de maneira preferencialmente exclusiva (mesmo que por apenas alguns anos), de determinadas tecnologias que poderão ser utilizadas em seus futuros produtos. Ao identificar uma tecnologia potencialmente importante para um futuro produto, a Apple chega algumas vezes a financiar a construção das primeiras plantas de produção ou o desenvolvimento em escala daquela tecnologia em troca de ter acesso facilitado e exclusivo quando elas estiverem disponíveis. Mais uma vez a concorrência fica a ver navios. Eles observarão um novo produto chegar às prateleiras com incríveis novas funcionalidades, mas que estarão a alguns anos de distância de seus próprios produtos.
É desta maneira que acredito que na batalha por produtos e serviços cada vez mais digitais, as empresas vencedoras serão as que entenderem o real papel e a importância da tecnologia no campo de batalha dos negócios.
E assim encerro a primeira edição desta coluna que tratará do tema tecnologia nos negócios. Espero que gostem e me enviem seus comentários, críticas e sugestões através da página oficial da coluna no Facebook.
Artigo publicado originalmente na edição de Novembro de 2011 da Revista INFO e republicado aqui com a permissão da Editora Abril.