E quando a evolução tecnológica tem efeitos colaterais?
Que a evolução tecnológica traz e continuará trazendo abundância para humanidade nós já sabemos, mas será que estamos cientes do que ela…
Que a evolução tecnológica traz e continuará trazendo abundância para humanidade nós já sabemos, mas será que estamos cientes do que ela pode trazer de ruim? Será que a abundância é igualitariamente distribuída?
Como um amante da tecnologia, tenho sempre falado do que temos ganhado com ela e dos benefícios que ela trás para nossas vidas e para as empresas. Estamos, claramente, vivendo em tempos exponenciais, onde a velocidade da evolução tecnológica, o ritmo de adoção de novas tecnologias e os impactos delas em nossas vidas e negócios são cada vez mais maiores. Logo, os benefícios trazidos pela tecnologia também seguirão o mesmo ritmo e atingirão magnitudes nunca imaginadas. Porém, se existirem alguns efeitos colaterais nestas ondas de evolução, é de se esperar que eles também cresçam de maneira exponencial e, consequentemente, sejam dignos de nossa atenção. E, caso eles existam, quais são os caminhos para combatê-los?
Os efeitos positivos da tecnologia podem ser observados em toda história da
humanidade. Desde a criação das primeiras ferramentas pelos homens das
cavernas, permitindo que eles se protegessem, conseguissem alimentos e
aumentassem suas chances de sobrevivência; até o surgimento dos robôs
cirurgiões que permitem que cirurgias complexas sejam feitas de maneira
minimamente invasiva e com altíssimos índices de sucesso. Algumas vezes, a
chegada de novas tecnologias tem um impacto tão profundo e abrangente que
elas marcam verdadeiras revoluções e mudam drasticamente o status quo de
regiões, países e até do planeta.
Vejamos, por exemplo, a mecanização agrícola, por volta de 1750, que aumentou brutalmente a produção de alimentos gerando uma abundância capaz de suportar uma explosão no crescimento populacional na Inglaterra. Entre 1700 e 1850 a população da Grã-Bretanha triplicou graças a uma drástica melhora nos níveis de vida com a chegada da mecanização e de outros avanços tecnológicos e científicos. Muito pode se especular do que exatamente causou e como aconteceu a primeira revolução industrial, mas é inegável o papel da tecnologia no processo e também a gigantesca onda de abundância gerada com ela. Sem ela, não teríamos tamanha produção de alimentos, vacinas produzidas em massa, exames médicos mais precisos e acessíveis, abundância de informações e entretenimento e educação de ponta em escala massiva.
Porém, mais recentemente, estudos tem mostrado que esta crescente
abundância consequente da tecnologia tem um efeito irmão na direção oposta. A tecnologia, especialmente as tecnologias digitais das últimas décadas, tem sido responsável por uma grande geração de riqueza para a humanidade e podemos, claramente, observar uma melhoria enorme nos padrões de vida no mundo todo.
Podemos dizer que o BIP per-capita mundial vem aumentando, em grande parte, graças ao aumento de produtividade conseguido através da automação e da informatização. Na média, temos trabalhado menos e produzido mais. Ou, pelo temos produzido mais de maneira relativa ao quanto temos trabalhado. E é exatamente na palavra “média” do começo da frase anterior que o problema aparece. Apesar de, na média, os padrões estarem evoluindo, a realidade é que eles crescem de maneira desproporcional. Quem já tinha os melhores padrões de vida acaba capturando a maior parte da melhoria. E, muitas vezes, quem estava na base da curva acaba não vendo uma melhoria tão significativa. Podemos observar isto em várias medidas e modelos matemáticos, mas quero chamar a atenção para a evolução dos salários de diferentes grupos de pessoas, desde as com menos educação formal até as que possuem pós-graduação. Dados dos Estados Unidos mostram que de 1963 até mais ou menos 1980 os salários evoluíam de maneira muito similar. Nos tempos mais prósperos todos eles cresciam e nas crises todos caiam. Claro, os grupos com mais educação tinham salários maiores do que os outros. Porém, de 1980 para frente, a evolução dos salários aconteceu e maneira diferente. A distância entre os salários dos grupos com mais educação e os com menos começou a aumentar de maneira bem acentuada, rompendo com o padrão que víamos anteriormente.
Veja, em 1980, temos a computação e as tecnologias da informação chegando com força total em nossas vidas. Tornando uma história longa curta, quem tinha melhores condições passou a ter condições ainda melhores e de maneira desproporcional. O benefício da tecnologia foi capturado de maneira desigual. Mas por que? E como lidar com isto?
O mesmo tipo de captura desigual da recompensa gerada pela tecnologia que
vimos na vida das pessoas, também acontece com as empresas. As empresas que já tinham operações mais modernas e melhores níveis de performance também melhoraram de maneira desproporcional com relação às outras. A principal razão é que para se beneficiar das novas tecnologias você precisa de ter acesso a elas e isto requer conhecimentos e capital. Assim, acabamos criando uma distribuição adversa onde empresas e indivíduos mais preparados se beneficiam mais do que os outros. Podemos pensar em várias maneiras de atacar este problema, mas vou me ater à que julgo mais sustentável e transformadora: a educação. Precisamos ficar atentos a estes efeitos e às consequências que nossas atuais deficiências educacionais gerarão num futuro que chegará rápido com gigantescas ondas de evolução tecnológica. Será que o remédio virá do próprio veneno com uma disrupção tecnológica da educação? Como bom tecno-otimista, espero que sim!
Artigo publicado originalmente na edição de 23 de Julho de 2014 da Revista INFO e republicado aqui com a permissão da Editora Abril.