Desafios de um País conectado
A internet chegou para ficar e em breve conectará todos os brasileiros, mas é preciso ficar atento para aproveitá-la e não deixar que ela…
A internet chegou para ficar e em breve conectará todos os brasileiros, mas é preciso ficar atento para aproveitá-la e não deixar que ela se vire contra nós
Em novembro de 2019, o IBGE divulgou que 79,9% da população brasileira já tinha acesso à internet. Os números eram de 2018 e o contraste era que a penetração do acesso à rede mundial de computadores era maior do que o de acesso à rede de coleta de esgoto sanitário (64,3%). Estamos em 2020. Provavelmente, o número de brasileiros online não parou de crescer — e o outro, infelizmente, nem tanto. O potencial de conexão é ainda maior se notarmos que 96% da população está em domicílios que possuem uma linha telefônica fixa ou um morador com telefone celular (ou seja, aptos a se conectarem à rede). Sim, somos um país conectado!
É um cenário que nunca vimos antes. Uma parcela gigante da população com acesso quase irrestrito à informações e conectados por meio de mecanismos de comunicação ponto-a-ponto com custo marginal. O potencial de impacto social positivo é enorme e tem se materializado em muitos casos. Serviços ficam mais acessíveis, comunicação não é mais um luxo e conhecimento está disponível em abundância. Porém, os ganhos com a rede não andam sozinhos e temos complexos desafios se quisermos usufruir de uma sociedade que explore o potencial da tecnologia.
Um desafio técnico e tático é o de garantir que serviços essenciais sejam oferecidos de maneira acessível pela rede. De um lado, estamos digitalizando serviços oferecidos pelo governo e pela iniciativa privada em busca de eficiência. Porém, isso é feito de forma fragmentada, sem considerar a infraestrutura básica sobre a qual os serviços se apoiam. Falo de sistemas únicos de identificação, padrões de interoperabilidade, acesso facilitado dos usuários a seus dados, usabilidade e, principalmente, de acesso irrestrito e facilitado aos serviços. Sem isto, produzimos um oceano de sistemas que não se falam e funcionam de maneira precária ou parcial. É um desperdício enorme do potencial da rede e um custo enorme para todos.
Olhando para uma questão mais estratégica, encaramos um crescente uso da internet e suas tecnologias de forma belicosa. Lá fora, isso se chama de “weaponization”. Vou traduzir por “armamentização” da internet. A rede passa a ser usada como ferramenta de ataque organizado, com fins específicos. Tudo ocorre de forma automatizada e em larguíssima escala. É a substituição da natureza igualitária e aberta da rede por mecanismos de manipulação da opinião pública e dos diálogos que acontecem na rede. Governos, empresas, partidos políticos e outras instituições estão construindo plataformas tecnológicas para tentar controlar o fluxo das conversas e promover a desinformação. O riscos vão muito além da internet.
A internet chegou para ficar e em breve conectará todos os brasileiros, mas é preciso ficar atento para aproveitá-la e não deixar que ela se vire contra nós.
Artigo publicado originalmente na coluna do Manoel Lemos na edição de 19 de Fevereiro de 2020 do Estadão e republicado aqui com a autorização do mesmo. Clique aqui para ler o artigo original.