Cadê a nuvem que estava aqui?
O mundo virtual experimenta problemas bem reais quando a previsão de tempo para a Internet é de um céu sem nuvens.
O mundo virtual experimenta problemas bem reais quando a previsão de tempo para a Internet é de um céu sem nuvens.
No ano passado me vi dormindo mal porque resolvi desativar um serviço de encurtar links que desenvolvi e disponibilizei livremente na web. O que tirava meu sono não era aquela coisa paternalista de deixar a cria para trás, mas sim uma sensação de estar apagando um pequeno pedaço da web. O pensamento era simples, algumas milhares de pessoas utilizaram o serviço para encurtar links e depois compartilharam estes links encurtados com seus amigos e nas redes sociais. Tirar o serviço do ar significaria tornar algumas dezenas de milhares de links inúteis de um minuto para o outro. Eu não podia fazer aquilo e, então, com a ajuda de um amigo, encontramos um serviço que era um cemitério de encurtadores de links. Depois de um tempo, conseguimos transferir o banco de dados de links para o cemitério e pudemos desligar o serviço sem prejudicar quem ainda clicava naqueles links, mantendo aquele pequeno pedaço da web consistente.
Isto me fez pensar numa coisa maior. À medida que uma parte importante dos serviços digitais que utilizamos migram para a nuvem, e com eles uma quantidade gigantesca e cada vez maior de nossos dados, como fica esta nova geo-política da nuvem? De quem é a responsabilidade sobre estes serviços? Qual é esta responsabilidade? E como agir quando alguma catástrofe acontecer?
Não estou dizendo isto como um ponto negativo ou contra a computação em nuvem. Sou um grande apoiador e adoto a nuvem em tudo o que posso. O ponto é que, à medida que virtualizamos e distribuímos a infraestrutura computacional de nossas vidas, empresas, produtos e serviços, é preciso entender bem que estamos entrando em mundo com outras regras, com uma dinâmica muito acelerada e com uma volatilidade que é parte de sua natureza.
Não há dúvidas de que a computação em nuvem é uma das forças mais
transformadoras que vimos em TI nos últimos tempos e ela tem um impacto
gigante nas possibilidade que se abrem e em como trabalharemos com tecnologias da informação e comunicação daqui pra frente. Porém, somente quem compreender bem sua natureza conseguirá utilizar e desenvolver produtos e serviços que utilizam todo seu potencial. E isto será uma grande fonte de diferenciação e vantagens competitivas. A palavra aqui é arquitetura. O papel dos arquitetos destes sistemas é o mais importante neste jogo. São eles que desenharão os mecanismos de integração, de segurança, de suporte a falhas e de operação desta nova geração de serviços. Sem eles, quando o tempo mudar pedaços gigantes da web e de nossas vidas poderão ficar para sempre perdidos no éter digital.
Outro ponto é a responsabilidade de quem oferece os serviços básicos de nuvem. Sejam serviços de armazenamento ou de computação elástica, as questões dos direitos e obrigações se tornam cada vez mais complexas. Vender computação pelo tempo de uso e, em breve, pelo consumo de energia daquela infraestrutura, traz questões que antes não eram uma preocupação. Quem está utilizando esta infraestrutura? E para que? Que tipo de dados estão sendo armazenados? O ponto é que a mesma infraestrutura que pode ser utilizada para fazer complexos cálculos de “dobramento de proteínas” para fins medicinais, também pode ser utilizada para ciberataques ou o desenvolvimento de armas de destruição em massa. Deixando de lado as questões legais e políticas desta complicada questão, os desafios tecnológicos são igualmente complexos. Não é tão simples identificar o que está sendo feito, uma vez que um grande sistema pode utilizar diversos serviços de nuvem de provedores diferentes, em diferentes regiões de planeta e com cada parte sendo inofensiva se analisada individualmente.
Neste contexto a previsão de tempo para a Internet é fácil de se acertar: o tempo está para nuvens carregadas de idéias e tempestades de novos problemas e idéias que trarão uma chuva bastante fecunda de inovação e transformação do mundo como conhecemos. É hora dos arquitetos passarem mais tempo com a cabeça nas nuvens! ;-)
Artigo publicado originalmente na edição de Maio de 2012 da Revista INFO e republicado aqui com a permissão da Editora Abril.